Todos os anos milhares de candidatos são prejudicados por erros de bancas examinadoras em concursos públicos. Os exemplos são muitos e, mesmo entrando com recurso administrativo para pedir a anulação da questão, em alguns casos as bancas são irredutíveis.
Os exemplos a seguir comprovam essa prática. São questões de língua portuguesa selecionadas pelo professor Fernando Pestana, autor de “A Gramática para Concursos Públicos” (Elsevier). Em comum elas têm o fato de estarem erradas, diz. “Deveriam ter sido anuladas, mas não foram, para ódio e desespero dos concurseiros”, afirma.
E por que não foram revistas e anuladas? “Porque as bancas não quiseram”, diz Pestana. Confira as questões e veja as explicações do professor sobre seus erros de gabarito:
1ª) FUMARC – CBM-MG – OFICIAL BOMBEIRO MILITAR – 2014
A posição do pronome oblíquo é facultativa em:
a) Não mais NOS contentamos com a melhor escolha possível ou com uma escolha suficientemente boa.
b) Talvez seja necessário que famílias e escolas revejam a parte que LHES cabe nesse processo.
c) Um professor universitário na área da educação disse uma frase curta que pode NOS fazer refletir muito: […].
d) Uma jornalista ME disse que desde criança quis fazer jornalismo […].
Gabarito: C.
“Absurdo é a palavra certa para designar esta questão”, diz o professor. Isso porque existem duas respostas possíveis: C ou D.
Na alternativa C, o pronome “nos” pode ficar antes do verbo auxiliar da locução verbal, atraído pelo “que” (que nos pode fazer) ou também depois do verbo principal no infinitivo (que pode fazer-nos).
Na alternativa D, explica Pestana, não há palavra atrativa antes do verbo. “Uma jornalista” é apenas um sujeito explícito. “Logo o pronome ‘me’ pode ficar também depois do verbo: uma jornalista disse-me que”, afirma o professor.
2ª) FUNDATEC – DETRAN/RS – TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR – 2009
Analise os fragmentos listados na coluna I e associe à circunstância que expressam no texto, listadas na coluna 2.
Coluna 1:
I – não (… essas têm nomes, e não siglas…).
II – já (… já inclusos 141 mil…).
III – bem (As regras para os nomes das rodovias estaduais são bem parecidas com as das federais…).
IV – Em São Paulo (Em São Paulo,… vai da capital até Presidente Prudente…).
Coluna 2:
( ) tempo
( ) lugar
( ) modo
( ) negação
A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:
A) III – II – I – IV.
B) II – IV – III – I.
C) I – II – III – IV.
D) IV – III – II – I.
E) II – III – I – IV.
Gabarito: B.
Em I, “não” é um advérbio que exprime negação.
Em II, “já” é um advérbio que exprime tempo.
Em III, “bem” é um advérbio de intensidade porque modifica um adjetivo. “A banca errou porque ‘bem’, nesse caso, não pode ser advérbio de modo como aponta o gabarito”, explica Pestana.
É que na frase “as regras para os nomes das rodovias estaduais são bem parecidas com as das federais”, o advérbio “bem” tem o mesmo valor de “muito”, por isso exprime intensidade, e não modo.
Em IV, “em São Paulo” é uma locução adverbial de lugar.
“A questão deveria ter sido anulada por falta de opção”, diz Pestana.
3ª) ESAF – SRFB – ANALISTA-TRIBUTÁRIO DA RECEITA FEDERAL – 2012
– Considere o texto abaixo para responder:
Tem-se afirmado que o Brasil pegou a doença holandesa, ou seja, o efeito de descobertas ou aumento de preços de recursos naturais, que valorizam a taxa de câmbio e por isso acarretam desindustrialização. A ideia foi inspirada no surgimento de gás da Holanda.
Pesquisas acadêmicas comprovaram que ocorre a valorização cambial, mas não ficou claro se tal doença causa desindustrialização ou redução do crescimento econômico. Na Holanda, o boom da exportação de gás valorizou a taxa de câmbio. Ao mesmo tempo, a indústria têxtil e de vestuário praticamente desapareceu e a produção de veículos e navios diminuiu. Foi daí que veio a tese da doença holandesa.
No Brasil diz-se que a valorização cambial decorrente da expansão das exportações de commodities evidenciaria a tese da doença holandesa. Nada disso tem comprovação.
(Adaptado de Veja, 30 de maio de 2012)
Assinale a opção incorreta a respeito da relação entre estruturas gramaticais e os mecanismos de coesão que sustentam a coerência do texto.
a) A flexão de plural em “acarretam” indica que a “desindustrialização” resulta tanto do “efeito de descobertas” quanto do “aumento de preços”.
b) O substantivo “ideia” resume a informação do período sintático anterior, que compara causas e consequências da valorização da taxa de câmbio na Holanda e no Brasil.
c) A flexão de masculino em “claro” estabelece relação de coesão entre esse qualificativo e a oração condicional como um todo.
d) O advérbio “daí” tem a função textual de localizar no boom da exportação as consequências da doença holandesa.
e) A opção pelo uso do futuro do pretérito em “evidenciaria”, juntamente com o termo “diz-se”, indica a posição argumentativa de distanciamento do autor e seu não comprometimento com a veracidade da informação veiculada.
Gabarito: D.
“O gabarito foi a letra D, mas a letra C também está incorreta, logo a banca deveria ter anulado a questão por haver duas respostas”, diz o professor Pestana.
Na alternativa C, o professor destaca que o adjetivo “claro” está no masculino singular para concordar com a oração subordinada substantiva subjetiva (em negrito): “não ficou claro se tal doença causa desindustrialização ou redução do crescimento econômico”.
Para ficar mais simples de entender, o professor sugere a substituição da oração em negrito por “isso”: não ficou claro isso. Na ordem direta: isso não ficou claro.
“Perceba que a oração destacada tem função de sujeito do verbo ‘ficar’, e ‘claro’ é o predicativo do sujeito da oração destacada”, explica Pestana.
Assim, a oração “se tal doença causa desindustrialização ou redução do crescimento econômico” não é condicional como diz a banca examinadora.
“A banca vacilou porque adjetivo nunca estabelece coesão com oração subordinada adverbial condicional”, diz Pestana.
Na opinião do professor, a pergunta que fica é ” até quando as bancas farão questões assim?”